Marcos Taccolini

– retirado do livro 108 famílias de ásanas

Atuação da prática

Você já deve ter verificado que suas emoções, esforço mental, estresse, tudo o que vivencia a cada dia é somatizado no corpo e na musculatura, eventualmente gerando contrações ou até mesmo dores localizadas. Se o que ocorreu foi um estresse no trabalho, você pode ter ficado, por exemplo, com o pescoço contraído; se foi um problema emocional, poderá observar que a respiração foi afetada; se exagerou na prática de esportes, seus músculos poderão ficar doloridos. É como se fôssemos mapeados: qualquer coisa que acontece conosco, quer seja na esfera física, ou na emocional, ou na mental, ou ainda mais sutil, tem um impacto direto sobre nosso veículo mais denso, que é o corpo.

O contrário também ocorre: quando você coloca o corpo numa certa posição, exigindo mais de um músculo, alterando a circulação do sangue e de prána pelas nádís, você está atuando em todo o organismo. Ao colocar o corpo numa posição e lá permanecer, está sendo gerado um efeito reflexo com impacto fisiológico, emocional e mental.

Cada ásana das 108 famílias, incluindo suas milhares de variações, é absolutamente único nesses efeitos. Quando o praticante propõe-se a dominar a execução dos ásanas, todas as variações ele estimula o corpo de formas distintas, chegando muito mais rapidamente a uma transformação evolutiva. O treinamento com o objetivo de conquistar as diversas posições, ainda que em alguns casos só se alcance a variação mais simples, somado à própria determinação envolvida no processo, coloca em marcha uma evolução ampla, não apenas no anga ásana, mas também nas outras técnicas do Yoga.

O Yoga é prático e experimental, ensina como reproduzir os efeitos, não procura explicar o porquê dos efeitos. Ainda assim, para o praticante e muito mais para o instrutor de Yoga, a compreensão dos seus mecanismos de atuação é de grande auxílio para elaborar a já mencionada estratégia de longo prazo visando a evolução de seus alunos. Assim, os conceitos comentados a seguir, têm o propósito de fornecer elementos para compor um modelo que auxilie a compreender melhor esse processo prático do Yoga e, conseqüentemente, planejar de forma mais eficiente sua evolução.

Efeito sinergia

Essa diversidade de técnicas e estímulos, desde corretamente combinados, é muito importante. Ao treinar essas variações, em várias frentes de atuação, ocorre um efeito de sinergia.

Sinergia é um fenômeno que ocorre quando a atuação conjunta de vários agentes produz um resultado distinto e mais expressivo que sua ação isolada. Na prática, significa que técnicas, esforços e ações serão unidos e alcançar-se-á um resultado final ainda maior que a soma independente dos efeitos das partes isoladas.

As técnicas utilizadas pelo Yoga foram desenvolvidas ao longo de mais de cinco mil anos de experimentação prática: as combinações de técnicas que produziam o efeito desejado eram mantidas; as combinações de técnicas que não produziam efeitos ou geravam efeitos indesejáveis eram eliminadas. Assim, atualmente o praticante tem a seu dispor um conhecimento muito maior que do que nos primórdios do Yoga, cinco mil anos atrás.

Assim, ao aplicarmos vários conjuntos de técnicas totalmente distintas, mas consistente com uma estratégia definida, não ocorre uma dispersão de energia; ao contrário, ocorre uma dinamização e uma sinergia entre as técnicas. Ao se praticar posições de efeitos mais localizados (como abertura pélvica e lateroflexão), o resultado final, a transformação biológica, não pode ser explicado apenas pela soma direta das técnicas praticadas. Novas posições, que não foram treinadas, nem mesmo indiretamente na série, são conquistadas.

É como se você estivesse fornecendo tantos estímulos para o seu corpo que embutem em reforço mútuo, que ele deixasse de interpretar como estímulos localizados sobre um músculo ou órgão, e sim como uma informação sobre a necessidade do indivíduo de atingir um estado de transformação evolutiva completa, de efetiva paranormalidade. No próximo item, vamos falar sobre como se processam esses estímulos para o organismo.

Mensagem biológica

Nosso corpo funciona como um autômato: indicamos o que desejamos fazer e ele executa sua programação ou cria uma programação para alcançar o resultado solicitado. (Aliás, não apenas nosso corpo físico funciona assim, mas isso é outro tema). Para conquistar uma determinada posição, ou transformar o seu corpo, tudo que é realmente necessário é fornecer essa mensagem de forma clara para o organismo, e ele providencia as modificações na sua própria constituição para, ao longo do tempo, capacitar-se a executar o que lhe foi solicitado.

Por exemplo, ao permanecer por dois minutos numa posição que demande um maior alongamento de determinado músculo, não será neste pequeno período de tempo que seu corpo modificar-se-á. Nesses dois minutos, não seria fisicamente possível promover uma alteração permanente de sua estrutura biológica, criando novas células e tecidos com maior capacidade de alongamento, modificando a estrutura interna de músculos e articulações. A execução diária da técnica, com a solicitação criada durante a permanência, desencadeia a emissão de uma mensagem biológica para o organismo indicando que esse espécime tem essa necessidade vital, precisa disso em suas atividades regulares. Pela capacidade inata dos seres vivos de adaptação e sobrevivência, a natureza provê ao organismo as modificações para atender essa solicitação da melhor forma possível. Os fatores para desencadear essa reação são a solicitação física direta e também a criação de um arquétipo mental.

Orientação para a prática

Pré-requisitos

Antes de iniciar sua prática de Yoga, independentemente de estar em plena saúde, ou até mesmo já exercer outras atividades, faça uma consulta com um médico que conheça as técnicas utilizadas dentro do Yoga para uma avaliação prévia.

A prática exclusivamente por livros não é a ideal. Para uma orientação completa sobre a forma mais adequada para treinamento, recomendamos a participação nos cursos práticos promovidos por escolas especializadas na área.

Regularidade e permanência

A regularidade produz muito mais efeito que um esforço irregular concentrado – muito mais efeito! Para qualquer tipo de técnica – alongamento, flexibilidade, técnicas musculares e outras mais sutis –, a regularidade é o primeiro e mais importante elemento. A permanência dinamizará ainda mais a prática, mas só deve ser ampliada na medida que permita manter uma regularidade exacerbada nas práticas.

Mesmo com pouco tempo por dia (por pouco tempo entendemos dezenas de segundos, não dezenas de minutos), qualquer posição pode ser conquistada desde que a regularidade esteja presente – respeitadas, é claro, as características biológicas do praticante. Até os ásanas considerados de maior exigência muscular, como um mahá kákásana e um vrishkásana, podem ser alcançados com pouco tempo diário de treinamento, desde que mantida a regularidade por um longo período.

Vale ressaltar que, apesar de não ser necessária na fase inicial, a prática com permanência é necessária para uma execução estável do ásana, especialmente para os demonstradores de ásanas. E o mais importante, é o tempo de permanência que vai desencadear os efeitos desejados dentro do sádhana, visando à meta do Yoga.

A Importância de uma série regular

Tenho minha própria experiência em relação ao forte efeito produzido por uma prática balanceada com regularidade. No meu início como praticante, nunca treinava especificamente técnicas musculares, mas praticava diariamente, mantendo aproximadamente a mesma sequência de ásanas diariamente, atentando para a execução mais intensa de algumas posições e acrescentando algumas poucas passagens musculares. Apesar de essas passagens e variações musculares representarem poucos segundos de treinamento por dia durante o sádhana, com a prática regular e o aprimoramento contínuo, em pouco tempo me surpreendi conquistando posições consideradas de alto grau de dificuldade.

Desenvolvimento uniforme e balanceado

Se o iniciante, durante seus primeiros anos de prática, puder manter uma regularidade inabalável (abhyása), ainda que com pouca permanência, a prática será muito eficaz. Provavelmente será até melhor do que se aumentar a permanência, porém sem contar com a orientação próxima de um instrutor mais experiente. O desenvolvimento dentro do Yoga é mais efetivo quando é balanceado, combinando várias técnicas que atuam em sinergia.

Ao treinar muita permanência em apenas algumas posições, e não em outras, não ocorre um desenvolvimento uniforme do corpo. A aplicação de uma maior quantidade de ásanas dentro do sádhana conduz a uma evolução mais segura e eficiente, especialmente nos primeiro anos de prática, desde que é claro, sejam escolhidos de acordo com as necessidades de seu biotipo e um planejamento de evolução. Esse princípio vale também para as outras técnicas de Yoga. Logo, não se deve treinar apenas ásanas, nem praticar muito mais ásanas que as demais técnicas. A prática diária de meditação, pilar fundamental do Yoga, também deve ter o suporte das demais técnicas.

A prática ideal para seu abhyása (treinamento regular e determinado do yogin) é a prática uniforme e balanceada de vários feixes de técnicas, escolhidos de acordo seu biotipo, seus propósitos dentro da filosofia e consistentes com a sua linhagem de Yoga.

Conforto e bem-estar

O ásana está conquistado quando o esforço
é necessário para sair da posição, não para permanecer.

Marcos Taccolini

A prática desbalanceada e o treinamento exagerado de permanência enquanto iniciante também produzem estresse e desconforto. Quando iniciei na prática de Yoga, o professor André, que tinha (aliás, que tem!) um desempenho fantástico nas técnicas corporais, lembrava-me sempre: o tempo não importa; o conforto, este sim, é fundamental!

É necessária especial atenção com a coluna vertebral e as articulações dos joelhos; qualquer dor nessas regiões deve ser evitada e, caso sinta algum desconforto, peça orientação imediata a seu instrutor.

Ultrapassada a fase inicial de adaptação ao começar a praticar Yoga, se a prática regular não está sendo agradável, se não está dando prazer, se, depois de a executar, você não se sente melhor, com mais energia, ela não pode estar correta. Há de haver uma outra forma de executar as técnicas.