Marcos Taccolini

Sobre este artigo

A forma utilizada para a grafia está longe de influenciar na prática correta do Yoga, inclusive um dos maiores mestres do século XIX sequer sabia escrever. Contudo tantas foram as vezes nos últimos meses que fui solicitado a esclarecer sobre este tema, que resolvi já deixar as referências publicadas. Para não gerar mais dúvidas que repostas, abri mão da concisão em favor de uma explanação mais detalhada e mais completa.

Pronúncia e gênero

Yoga é um termo sânscrito, do gênero masculino, que pronuncia-se com a letra “o” longa e fechada e a grafia internacional é a utilizada no título deste artigo. A verificação do gênero e pronúncia pode ser feita consultando qualquer dicionário de sânscrito, alguns disponíveis online na Internet como o Sanskrit-English Dictionary, Sir Monier-Williams. Como regra mnemônica para saber o gênero de uma palavra oriunda do sânscrito, procure lembrar que palavras terminadas com “a” curto, como Shiva, Ganesha, Krishna, ásana são masculinas, e palavras terminadas com “á” longo, como Durgá, Gangá, Umá, pújá, são palavras femininas.

Assim, em todos os idiomas ao redor do mundo, com exceção do Brasil, o termo Yoga é sempre masculino e pronunciado com “o” fechado. No Brasil, contudo, como a utilização do termo “a ióga” já é uma tradição de várias décadas, já foi incorporada e dicionarizada, não pode mais ser considerado errada. Efetivamente com o uso passou a existir no Brasil as duas palavras, a pronúncia internacional e uma outra pronúncia, dicionarizada, com “ó” aberto e o gênero feminino.

De qualquer forma, é sempre interessante para os profissionais da área orientar os praticantes, a imprensa e até mesmo outros profissionais que sejam abertos a esta sugestão, para que passem a adotar a pronúncia internacional fechada e o gênero masculino. O motivo principal desta recomendação é que caso o interlocutor pronuncie Yoga com “o” aberto, em diálogo com pessoas de outras países, sequer será compreendido. Se o diálogo for com profissionais de Yoga de outros países talvez até seja comprometida nossa imagem profissional e de nosso país.

Grafia com “i” ou “y”

Quanto à grafia com “i”, ao invés de “y”, apesar de dicionarizada, também deve ser evitada, pois além de divergente do padrão mundial, induz ao erro de pronúncia, criando uma separação fonética entre o “i” e o “o” de Yoga, que não existe no original sânscrito. Mas, novamente, uma vez que foi dicionarizada não pode ser considera incorreta sua utilização no Brasil. O Dicionário Aurélio define que a letra “y” não mais é considerada parte de nosso alfabeto, sendo substituída nos vocábulos pela letra “i”, mas que nomes próprios de origem estrangeira podem manter a grafia com “y”. Ora, Yoga é um nome próprio de origem estrangeira (é nome da Filosofia que professamos e o nome de um dárshana do hinduísmo), assim esperemos que em futuras edições já seja dicionarizado com “y”.

Yoga, Yôga ou Yóga

A forma mais indicada para grafia com o alfabeto latino é a forma que foi usada no título deste artigo, Yoga, mas as demais formas não estão erradas, de acordo com a transliteração adotada.

Apenas seria errado afirmar que Yôga, ou Yóga, é uma grafia mais correta, quando na verdade é ao contrário: estas outras variações são simples alternativas possíveis da convenção internacional que é Yoga, mas pouco utilizadas e desnecessárias. Para o perfeito entendimento do porquê desta afirmação, vamos primeiro rever o conceito de transliteração.

Transliteração

A forma original da grafia do termo Yoga é no alfabeto devanágarí, para outra representação gráfica (usando alfabeto latino, grego, árabe, etc.) é necessário definir uma convenção fonética específica para cada idioma, chamada transliteração. Veja neste link o exemplo de transliteração adotado pelo dicionário de sânscrito Monier-Williams.

Em princípio, usando o alfabeto latino, qualquer das grafias a seguir poderia ser aceita, de acordo com a transliteração adotada: Yoga, Yoga, Yôga, Yóga, YOga. Mas como no sânscrito a pronúncia do “o” e do “e” é sempre fechada e longa, torna-se desnecessário a inclusão de qualquer símbolo ortográfico, visto que não existe as variações de “o” ou “ô”, assim como não existe “e” ou “ê”.

Como há apenas uma pronuncia para o “o”, a transliteração utilizada quase por unanimidade por todos os países que usam o alfabeto latino, e por quase a totalidade dos autores nestes países, é grafar Yoga, vedánta, yoganidrá, etc. indicando na descrição da transliteração que a pronúncia dos “os” e dos “es” são fechadas e longas, mas sem necessidade de símbolos ortográficos. No caso da letra “a”, “i” e “u”, nas transliterações mais precisas é utilizado um símbolo ortográfico (ou maiúsculas), pois é necessário distinguir entre o “a” curto e o “á” longo.

Uma tentativa para estabelecer a utilização do circunflexo como norma foi a partir da tradução do termo “mátra” do sânscrito como “acento”, mas há dois problemas com esta tese: o primeiro é que “acento” não é a tradução de “mátra”, que traduz como “intervalo” ou “duração”; segundo, ainda que aceitássemos a tradução de “mátra” como “acento”, mesmo neste caso o termo “acento” não iria se referir à acentuação ortográfica. Sobre o tema transliteração, consulte também os seguintes comentários enviados sobre este artigo:
Comentário de Carlos Eduardo, formado em sânscrito
Artigo da Profa. Eloisa Vargas
Comentário enviado por Mauricio Wolff

Referências bibliográficas

Uma das principais referências bibliográficas para a não utilização do acento circunflexo é o Sanskrit-English Dictionary, de Sir Monier-Williams. Neste dicionário, o okimátra (símbolo que representa o fonema “o” no devanágarí) é transliterado pela letra “o” (sem qualquer outro símbolo ortográfico) e é explanado que recebe a mesma pronúncia de stone e go no Inglês. Apenas na descrição fonética do vocábulo está grafado yóga para ressaltar a pronúncia, em todas as demais referências dentro do texto está grafado Yoga, sem circunflexo e sem nenhum símbolo ortográfico.

Apenas em algumas raras publicações, como a do Léxico de Filosófica Hindu, de Kastberger, Ed. Kier e Aphorisms of Yôga, Sir Purohit Swami, de 1938, utilizam o termo Yoga com circunflexo (a também citada Enciclopédia Britânica de 1954, já se atualizou e corrigiu e não mais utiliza acento há muitos anos). Mas mesmo estas não são referências válidas neste caso, pois estes livros não utilizam o circunflexo como transliteração do okimátra, mas para sinalizar toda e qualquer pronúncia alongada; assim eles também grafam âsana, prânâyâma, kundalinî, todas com circunflexo.

Note-se também, que o argumento de que por pronúncia do “o” (do okimatra, do sânscrito) ser alongada como em “oo”, deveria haver um símbolo ortográfico de acento não é válida, pois as mesmos poucos autores de Yoga que defendem esta necessidade, utilizam apenas o J, para representar o som de dj (como em “japa”) e apenas o “ch” ou “c”, para representar o som de tch (como em “chakra”) e apenas um “s” para representar o som de “ss” (ásana). Assim, como não existem dois tipos de “s” ou “ss”, nem dois tipos de “o” ou “oo”, é extremamente óbvio e consistente utilizar apenas a letra “o” como transliteração do okimátra, como exemplo vale a consulta online ao já citado Sanskrit-English Dictionary, de Sir Monier Williams.

Outra pretensa justificativa para a inclusão do circunflexo em Yoga seria para avisar ao leitor, em língua Portuguesa, para fechar a pronúncia; mas isto também não procede pois, se fôssemos seguir a mesma lógica, deveríamos começar a grafar ássana, tchakra e púdjá para evitar que alguém pronuncia-se ázana.

No curso de Sânscrito de Michael Coulson (Sanskrit, an Introduction to the Classical Language) há uma explanação bem clara sobre usarmos “o” e o “e”, sem símbolos ortográficos adicionais, ele explana, na pág.6:

“É extremamente importante relembrar, contudo, não apenas que o “e” e o “o” independentemente de sua pronúncia continuam classificados como ditongos, mas também que foneticamente e métricamente são vogais longas, não curtas. A única razão que elas não são usualmente transliteradas como “e” ou “o” é que desde que o “e” e o “o” curto não ocorrem no Sânscrito, a distinção não precisa ser assinalada.”

Representatividade internacional

A quase totalidade das gramáticas e dicionários de sânscrito, grafam YOGA; assim como a quase totalidade de autores de Yoga também o fazem, incluindo Sivánanda, Satyánanda, Indra Devi, Goswami, Van Lysebeth, Georg Feuerstein, Mircea Eliade, Vivekánanda, Aurobindo, Iyengar, Pattabi Joys, Theos Bernard, Tara Michael e Sir John Woodrofe (Artur Avalon).

Assim como no passado depunha contra a imagem do Brasil, numa convenção internacional apenas os profissionais do Brasil pronunciando e grafando “A Ióga”, e todos os demais do planeta utilizando “O Yoga”, atualmente também depõe negativamente contra nossa imagem a tentativa de apresentar a utilização do circunflexo no Yoga como uma transliteração mais correta que outras.

A utilização do acento circunflexo na palavra Yoga, apesar de ser uma das inúmeras convenções possíveis, é uma redundância supérflua (nas transliterações que usam o “o” com acento circunflexo, não existe uma única palavra com “o” sem o acento circuflexo, logo ele não é necessário) e ainda entra em conflito com o padrão mundialmente utilizado, tornando-se tão exótico e pouco usual grafar Yôga ao invés de Yoga, quanto é grafar o nome do criador do Yoga como Çiva, ao invés de Shiva, apesar de esta também ser uma transliteração possível.

O histórico no Brasil

Essa polêmica e a utilização do acento circunflexo no passado teve sua validade e importância histórica no Brasil, por trazer a questão da pronúncia ao debate auxiliando para que a distorção de pronúncia outrora vigente fosse corrigida. Essa correção foi interessante para inserir melhor o Brasil no contexto internacional de Yoga, não vamos agora dar um passo para trás nesta conquista, tentando impingir ao Yoga uma nova transliteração, que ainda por cima não tem sustentação ou necessidade gramatical.

Atualmente no ambiente globalizado que vivemos, quem se interessa sobre este tema há teve acesso à pronúncia correta, desta forma, propor a adotação de grafia distinta do padrão mundial, que é Yoga, não se justifica mais.

O respeito às várias linhas de Yoga

Também é fundamental lembrar que o mais importante no Yoga é a atitude ética e consistente com a filosofia e com seus alunos; não se deve julgar a capacidade pessoal e a dedicação de um professor pela sua pronúncia ou sotaque. Felizmente já consegui superar e descondicionar-me do meu aprendizado inicial em Yoga, onde jocosamente agredia-se com piadas e gozações aos profissionais de outras linhas que utilizavam a pronúncia aberta, a ióga.

Quem no Brasil ainda utiliza o termo “a ióga” é por sua formação e interesse pessoal, não por falta de referências técnicas, e deve ser respeitado! Assim como devemos respeitar os profissionais que mesmo depois desta batelada de referências bibliográficas e explanações continuarem grafando “o yôga”.

Ressalte-se que qualquer das outras variantes Yôga, Yóga, Yõga, Yòga, Yöga, pode ser utilizada se assim for a convenção de transliteração adotada. Apesar de tais convenções terem sido criadas distanciando-se do padrão mundial, não são consideradas erradas. A única alternativa efetivamente errada seria tentar defender que alguma destas variações, pouco usuais e não abalizadas por linguistas, pudesse ser mais correta que a grafia internacional, Yoga.

Mantendo os princípios de diversidade e independência que norteiam o trabalho no Yoga, cada escola e professor adota a grafia e transliteração adequada à sua linhagem, estudo, proposta, e de acordo com os requisitos do texto que está produzindo.