Prof Maurício Salem

 

Na prática de yoga para crianças, as execuções dos asanas são adaptadas às fases do desenvolvimento motor. Desta forma, é possível começar em qualquer idade desde que exista um programa estruturado para transformar as “brincadeiras” em prática ao longo dos meses ou anos.

 

A princípio, você não encontrará uma idade “ideal” para iniciar no yoga. A partir dos 03 anos a crianças pode iniciar um contato com os asanas de forma lúdica. Se o praticante mirim quiser se transformar num exímio “asanita” pode-se estabelecer uma disciplina mais vigorosa a partir dos 08 anos.

 

O que conhecemos como asanas do Hatha Yoga, com contrações dos bandhas, alinhamentos, princípios corporais de trabalho muscular de contração ou relaxamento, pranayamas, vinyasa, yogaterapia, yogachikitsa entre outros elementos, podem ser adaptados para qualquer idade, respeitando o princípio de utilizar o asana como um foco, dháraná, de concentração.

 

A prática de yoga fornece ao praticante ferramenta para observar e experimentar as transformações a nível de corpo, mente e pensamentos, percebidas durante o sadhana. O que ocorre com o adulto ocorre com as crianças, com alguns diferenciais. As crianças estão mais ligadas ao momento presente que os adultos que se encontram em meio às preocupações, lembranças do passado e ansiedades do futuro. Uma criança ainda é um papel em branco onde as impressões mentais estão sendo escritas na medida em que atravessa sua infância e puberdade, coletando experiências no processo de crescimento.

 

Para cada idade as adaptações das práticas apresentam seus desafios. Podem-se trabalhar os asanas corretamente, seguindo o princípio de alinhamento e/ou respiratório, fazendo uma aula ao ar livre, utilizar bloquinhos, faixas, bolas, cadeiras, ou usar apenas a imaginação e uma boa história.

 

 

Asanas e o desenvolvimento motor.

A evolução do desenvolvimento motor baseia-se no sistema sensório-motor-sensório de aprendizado. Devemos então nos lembrar das etapas de desenvolvimento da criança tanto pela anatomia sutil do yoga quanto pela ótica ocidental e adequar a prática dos asanas às crianças.

 

O crescimento bem orientado, com o despertar das novas percepções bem desenvolvidas através da prática do yoga, traz um lampejo de clareza para as crianças em meio ao mar de escolhas da nossa sociedade urbana e cosmopolita.

 

Na Índia existem certos ”campeonatos de asanas”. Trata-se de competições entre alunos “asanitas”. Inicialmente parece até um show de contorcionistas mirins. Para quem assiste pode ser um pouco difícil achar a essência do yoga por ali mas, compreendendo o contexto em que ele originalmente se propõe, voce até acha interessante.

 

Nestes eventos, as crianças são estimuladas a praticar e se conhecerem juntas. Cabe a organização deste tipo de evento e aos professores envolvidos a darem a correta orientação, pois, a linha entre fundamentar bases para o crescimento espiritual através da observação do corpo e uma viagem do ego (ahamkara tour) é muito tênue. Achar também que a prática do yoga se limita apenas à prática dos asanas é subestimar o potencial do sadhana do yoga.

 

Por Patanjali os asanas se apresentam como posturas firmes e comfortáveis, um assento para a mente. Mas Patanjali atribui a tapas, o esforço sobre si mesmo e às dificuldades, o elemento de evolução dentro da prática. Através de tapas, os asanas do hatha yoga ensinam a criança a respirar corretamente dentro de princípios de alinhamento, regulando o seu metabolismo e as energias do corpo sutil. A mesma função acontece no adulto só que dado com outro enfoque.

 

Patanjali coloca:

 

 Tapas traz a destruição das impurezas,

o que leva à perfeição dos sentidos do corpo (kaya)

Yogasutras II-43

 

 

A prática dos asanas é uma forma de adquirir saúde e uma inteligência corporal para o indivíduo, o que significa que ele age com muito mais desenvoltura e espontaneidade no convívio social.

Você pode realizar uma prática inteira de asanas para desenvolver mais estabilidade em crianças com “hiperatividade”, bipolaridade, déficit de atenção, entre outros. Infelizmente hoje em dia o índice de distúrbios diagnosticado por médicos tem crescido. Quem convive com educadores sabe que estes problemas tem tido reflexo direto em sala de aula, com o aumento de crianças sendo diagnosticadas pelo simples fato de não conseguirem se concentrar e comportar-se em sala de aula.

Os asanas podem contribuir com isto, utilizando-os para desenvolver práticas com objetivos voltados para crianças e os adolescentes portadores de diabetes, câncer, HIV entre outras doenças. Estas iniciativas ajudam para que a prática fortaleça o sistema imunológico, flexibilize a mente na adaptação às novas situações e permite a criança perceber o que é real e o que é ilusão na sua condição de saúde.

 

Os kryas, técnicas de limpeza e purificação, são grandes parceiras ao trabalho dos asanas. Nauli krya, uddiyana bandha, kapalabhati podem ser ferramentas aliadas às posturas e práticas como pavana muktasana. Ao colocar o sistema digestivo e respiratório em ordem evitam-se uma série de transtornos para as crianças como dores de barriga, prisão de ventre, gases, falta de ar, bronquites, entre outros.

 

Estas técnicas podem receber apelidos para facilitar a memória infantil e deixar a aula mais divertida. Nas minhas aulas o nauli é a “barriga dançante”, o uddiyana bandha, em sua forma raja, é a “barriga do esqueleto”. Daí vem sempre uma criança que diz “mas esqueleto não tem barriga tio”. Ao aprender estas “brincadeiras” a criança leva para o seu dia-a-dia uma poderosa ferramenta de manutenção de saúde. É verdade que o universo de kryas é mais extenso, mas Neti e outras técnicas mais elaboradas podem ser deixadas para quando a turma estiver com seus 10 anos em diante. Apesar de colocar água por uma narina e deixá-la sair por outra é um tanto “pagação” de mico para os adolescentes, mesmo assim ainda é um bom exercício para fazer uma aula diferente.

 

A puberdade (10-19 anos pela OMS e 12 aos 18 pelo estatuo da criança e do adolescente) é a fase onde o crescimento ósseo, aumento da massa corporal e maturação dos caracteres sexuais, tornam-se intensos. Em apenas 03 anos o adolescente cresce cerca de 50 cm e ganha de 25 a 35 kg de massa. Sua auto-imagem muda, ele não se vê mais como uma criança ,mas como uma imagem desproporcional. Neste momento inicia-se sua busca pela identidade.

 

Vale lembrar que a criança possui taxas de liberação do hormônio de crescimento aceleradas. Já no adulto esta taxa se encontra “estabilizada”. Neste contexto, tem-se no yoga uma excelente ferramenta para preparar o pré-adolescente para a puberdade já que a técnica ajuda a desenvolver a compreensão da impermanência do mundo externo assim como as constantes mudanças do corpo.

 

Hoje em dia, o aumento do frenesi, o excesso de atividades, o grande fluxo de informação pelas percepções cognitivas, o aumento dos estímulos biológicos, levaram a vida humana a um impasse. No período de um século, a sociedade urbana tornou-se mais dinâmica do que seus processos biológicos e sociais. A puberdade do século XXI tornou-se mais desafiadora que a do início do século XX. O jovem tem com isto uma dificuldade maior do que à da geração anterior para se adaptar.

 

Apartir deste ponto surgem algumas perguntas. O que vai acontecer com o mundo quando a próxima geração assumir? Que tipo de pais eles serão? Será que eles vão se lembrar do ritmo biológico do ser humano natural? Ou vão ficar atrelados ao ritmo “biológico“ do ser humano social? Resta saber qual caminho a humanidade escolherá seguir – do auto conhecimento ou da auto destruição.

 

 

Quais os benefícios da pratica dos asanas para as crianças.

 

  • Ensina a coordenação entre respiração e o movimento. Vinyasa Yoga;
  • Fortalecimentos de braços e pernas;
  • Desenvolve calma e concentração;
  • Ajuda a combater a ansiedade;
  • Desenvolve um tônus muscular adequado a estrutura óssea da criança;
  • A pratica regular dos asanas com crianças, cria bases para manter à flexibilidade e alongamento na puberdade e na fase adulta;

 

 

Chakras , crianças , adolescentes e asanas…..algumas curiosidade: 

 

A busca pela identidade e afirmação no mundo são características desenvolvidas e trabalhadas no Svadhisthana e Manipura chakras. A partir surgem os anseios pelas experimentações.

 

Patanjali coloca:

 

 

 “Sobre o chakra do Umbigo o conhecimento

sobre a organização do corpo”

 

Yogasutras III-30

 

 

O gatilho de todas estas transformações encontra-se no cérebro, mas os reflexos surgem no corpo. A ciência tem comprovado que o praticante de meditação tem a capacidade de desenvolver mais sinapses e consequentemente possuir um cérebro mais adaptável. Trabalhar isto nas crianças e nos adolescentes facilita a atividade do cérebro ao adaptar os mapas somestésicos.

 

O não desenvolvimento do Manipura chakra cria a teimosia pelo medo do desconhecido e a acomodação pela preferência do confortável e fácil. O bom desenvolvimento cria a teimosia pelo desenvolvimento. Não é por acaso que o animal representado no interior do Yantra deste chakra é um carneiro, que simboliza a teimosia. Daí nos perguntamos: qual adolescente não é teimoso? Não é a toa que ironicamente chamamos esta fase de aborrecência.

 

Este chakra está associado à Shiva Braddha ou Braddha Ruda, o Shiva primordial e antigo que representa o poder da destruição e da renovação.

 

O fogo é o veículo de Agni, o deus do fogo, que está relacionado ao Planeta Marte. A Kundalini Shakty ou Devi deste chakra é Lakini, a guardiã das portas do chakra, também chamada de Bhadra Kali, a forma branda e compassiva de Kali.

 

Seu Yantra representa o elemento fogo, manifestado num aspecto físico e contido por um elemento geométrico rígido, o triângulo invertido, a manifestação da forma física da energia ascendente.  É ligado ao plano celestial Svaha (céu), Sva ou Svarga Loka (Loka – plano, svarga – celestial ou divino), a morada dos deuses. Este chakra tem como corpo celeste regente astrológico o Sol, simbolizando o elemento solar e masculino.

 

 

 

 

Chakra Fase Dominante
Sahasrara Chakra
Shunya
Niralambapuri

Chakra coronário
43 aos 49 anos
Ajna Chakra
Bhru Madhya
Dvidal padma

Chakra de comando
36 aos 42 anos
Vishuddha Chakra
Kanth Padma
Shodash Dala

Chakra laríngeo
29 aos 35 anos
Anahata Chakra
Hritpankaja
Dvadashadal
Chakra do coração
22 aos 28 anos
Manipura Chakra
Manipurak
Nabhi
Chakra do umbigo
15 aos 21 anos
Svadhisthana Chakra
Adhishthan Chakra
Shaddala

Chakra do baço
8 a 14 anos
Muladhara Chakra

Adhara Chakra
Chakra raiz

1 a 7 anos

 

 

Ter a compreensão das fases dominantes de cada chakra e a correta seleção dos asanas e suas adaptações para as crianças, ajudará consideravelmente o desenvolvimento saudável, tanto física quanto energeticamente, preparando a criança para a vida, em constante mudança e impermanência diária. A ativação e dos equilíbrios dos chakras está ligada diretamente a um bom funcionamento dos plexos e sistemas glandulares.

 
 

Asanas e o Relaxamento

 

O trabalho dos asanas, atrelados ao relaxamento e técnicas de yoganidra desenvolvidas por Swami Satyananda na década de 30 do século passado, e as técnicas contemporâneas de visualização criativas trazem benefícios ainda maiores. Corretamente ensinadas na infância tornam-se um aliado para o individuo que esta a adentrar a adolescência.

 

O adolescente necessita em torno de mais de nove horas de sono por dia, sendo este sono parte do processo natural de amadurecimento. As intensas mudanças nas taxas hormonais atrasam em algumas horas a produção da melatonina, hormônio regulador do sono. A conseqüência disto é que as “oito horas” normalmente dormidas são biologicamente insuficientes, daí surge o mau humor, irritação e baixo rendimento escolar assim como déficit de atenção entre outras coisas.

Patanjali coloca:

 

“O Sono (Nidra) é um meio de expressão

sustentado pela experiência de não existir.”

 Yogasutras I-10

 

O níveis de secreção de gonadotrofinas (GnRH) atingem picos elevados na puberdade especialmente durante o sono. Durante a infância, a liberação destes hormônios, que são gerados no hipotálamo e distribuídos via o sistema vascular porta-hipofisário até a parte anterior da glândula hipófise, são suprimidas até o início da puberdade.

 

Durante o sono os hormônios luteinizantes (Lh) são liberados em pulsos de variações entre 60 a 90 minutos. Estes pulsos ocorrem também durante o dia, porém na puberdade apresentam diferenças. Estas vão diminuindo na medida em que saímos desta fase e entramos na fase adulta onde ocorrem a estabilização no ciclo Circadiano (dia e noite) .

 

Ter um sono tranqüilo é importante para que este pulso não ocorra em excessos além do devido. Com o yoga e os exercícios de relaxamento consciente, técnicas de yoganidrá e de aprendizado durante o sono, educamos a nossa consciência corporal à capacidade de compreender com mais eficácia às mudanças e à adaptação. De acordo com Darwin evoluir é saber se adaptar.

 

O ensino do relaxamento para as turmas de crianças de 07 a 09 anos, moradoras dos centros urbanos, constitui-se um desafio. Elas oscilam entre a atividade intensa e o ato de dormir imediatamente ou a luta contra o sono. O hábito de relaxar não é incentivado e com isto as fases que poderiam gerar um sono mais tranqüilo são suprimidas. Os hábitos decorrentes disto têm reflexo direto no comportamento familiar e social. Ensinar a criança o habito de relaxar, e de que tudo tem um tempo de acontecimento ajuda a atenuar a ansiedade no futuro adolescente.

 

 

Afinal de contas, que asanas dar para as crianças ?

 

 

Posturas são o que não faltam. Desde surya namaskar a saudação ao sol, virabhadrasana a postura do herói ou guerreiro, vrikshásana a postura da árvore, simhasana a postura do leão, entre tantas outras,a lista de como adaptá-las é mais longa ainda. Podem-se utilizar todas desde que inseridos em algum programa metodológico. Esta é a chave para ensinar as crianças a praticar os asanas: descobrir que metodologia utilizar na turma para um desenvolvimento progressivo a curto, médio e longo prazo.

 

Os asanas de equilíbrio são importantes, pois trabalham do muladhara ao manipura chakra, chakras que atuam em aspectos importantes para o desenvolvimento tanto motor quanto energético para o despertar da consciência da criança. Isto possibilite que este jovem no futuro torne-se um adulto saudável.

 

Bom senso e estudo também prevalecem. Não se sai por ai ensinando sirshasana a crianças de 04 e 05 anos. Espere elas ficarem mais velha, dai inicie uma preparação para fortalecer seus pescoços, ensine a rolar e saber o que fazer em caso de queda, leve meses ou ate anos para colocar alguém em sirshasana, mas faça isto com segurança. Nem sempre o que se vê em aulas de adultos pode-se aplicar as crianças. Lembre-se fazer yoga não e ficar de cabeça para baixo. Use outros asanas como o adho muka svanasana , sarvangasana, entre outros. O bom senso sempre prevalece ao montar a prática.

 

Dependendo da forma como voce ensina os asanas, eles podem ser dados a crianças apartir de 03 anos de forma lúdica, através de uma contação de historias, uma canção, um jogo não competitivo, pode ser intercalado com uma pratica de yoga do riso ou meditações dinâmicas. De forma na criança despertar a sua consciência corporal.

 

O Yoga pode dar uma “ajudinha” no desenvolvimento, porem cabe a cada ser humano “desperto” que contribua para a melhora da sociedade. Fazer asanas ajuda? Claro que ajuda, porem não se pode perder o foco da prática o auto-conhecimento.

 

Lembrete 01:

Qual a fronteira entre o yoga para crianças e outras aulas especializadas, adaptadas ao publico infantil?

 

A elaboração da prática para crianças e adultos deve respeitar os parâmetros que definem o conceito de raja yoga proposto por Patanjali,descritos nos Yogasutras e o conceito de Hatha Yoga, proposto pela escola dos Nathas, ou ordem dos Kanphatas yogui’s,  nas figuras de Goraksha Nath e  Matsyendra Nath e descritos em textos como o Kaula Jnana Nirnaya, hatha yoga pradipka, Ghereanda samhita.

 

Lembrete 02:

Mantenho os nomes em sânscrito ou realizo adaptações?

 

Mais uma vez o bom senso prevalece. Se voce tivesse 05 anos o que voce iria preferir fazer? A posição da borboletinha, ou fazer bandhakonasa ou “bandhakonassinha”. O sânscrito não faz parte da realidade infantil, eles ainda estão aprendendo o português. Com o tempo após os 10 anos fale para os seus alunos algumas palavras em sânscrito e explique as correlações, pode inclusive se tornar um bom exercício de fonética. Vale a pena lembrar que o sânscrito é tido como uma linguagem sagrada, pois a correta pronuncia do silabário em mantras e kirtan’s, criam estados meditativos.

Vários asanas já possuem correlações naturais, makarasana= crocodilo, Setubandasana=ponte, Vrikshasana= arvore, Surya namaskar = saudação ao sol, Bidalasana= gato em movimento, adhomukha svanasana = cachorro olhando para baixo. Entre tantos outros estude adapte, crie um vocabulário que ajude as crianças a memorizar o nome das posturas e que no futuro estabeleçam estas correlações,leia estude e use a imaginação ao adaptar.

 

Para receber o texto na integra com as ilustrações e figuras, envie um e-mail para yogamauriciosalem@uol.com.br